Segundo o conceito amplo da Organização Mundial da Saúde (OMS), ter saúde vai além da mera ausência de doenças – só se pode falar em saúde quando há um completo bem-estar físico, mental e social. Sendo parte integrante essencial da saúde, portanto, a saúde mental também não se limita a ausência de transtornos mentais ou deficiências. Ter saúde e bem-estar mental é condição fundamental para que o indivíduo, através de suas habilidades emocionais e cognitivas, realize suas próprias habilidades, lide com as tensões e desafios normais da vida, trabalhe de forma produtiva e seja capaz de contribuir com a sua comunidade. Devido às particularidades culturais e à subjetividade, uma definição rigorosa sobre saúde mental é praticamente inviável.
É cada vez maior a pressão na vida profissional
Para prosperar em um mundo que muda rapidamente, precisamos aproveitar ao máximo nossos recursos – mentais e materiais. Em uma sociedade globalizada e competitiva é cada vez maior a pressão na vida profissional. Soma-se à esta pressão as crescentes demandas advindas da evolução da estrutura familiar e do aumento das responsabilidades tanto em relação às crianças quanto aos idosos. Com o aumento de expectativa de vida na maioria das nações industrializadas, um número cada vez maior de pessoas estará em risco para doenças degenerativas em idades mais avançadas. Neste sentido, a promoção, proteção e restauração da saúde mental pode ser considerada uma preocupação vital dos indivíduos, comunidades e sociedades em todo o mundo.
O campo da saúde mental teve uma grande evolução, particularmente a partir do início dos anos 2000. Nesse período, marcos importantes como o World Mental Health Report (OMS), o mhGAP program, o Lancet Global Mental Health Series, o Mental Health Movement, e outras iniciativas trouxeram um entendimento melhor sobre os custos da doença mental e qual deve ser a resposta a estes custos, baseada em evidências científicas. A saúde mental tem sido reconhecida cada vez mais como uma prioridade de saúde global, e diante da elevada carga econômica das doenças mentais, também tem sido considerada como uma prioridade para o desenvolvimento global, levando ao consenso de que saúde mental e bem-estar devem fazer parte das diretrizes para uma cobertura de saúde universal.
Capital mental e bem-estar mental
Podemos definir dois aspectos principais do desenvolvimento mental: capital mental e bem-estar mental. O capital mental engloba tanto recursos cognitivos como emocionais. Inclui as habilidades cognitivas das pessoas, sua flexibilidade e eficiência no aprendizado; e suas ferramentas sociais e de resiliência frente ao estresse. O termo captura uma dimensão fundamental dos elementos que definem o quanto um indivíduo pode ser capaz de contribuir com a sociedade e de experimentar uma alta qualidade de vida. O bem-estar mental, por outro lado, é um estado dinâmico que influencia a habilidade do indivíduo em desenvolver o seu potencial, trabalhar produtiva e criativamente, construir relacionamentos fortes e positivos com os outros e contribuir para a sua comunidade.
Os dois conceitos estão intimamente ligados. Estados emocionais positivos ou uma visão geral positiva da vida estão associados a maior curiosidade, formas de pensar mais flexíveis e uma maior abertura ao aprendizado, sendo essas qualidades particularmente importantes durante o desenvolvimento do capital mental na infância e adolescência. Por outro lado, aprendizado precoce na infância pode melhorar a sua resiliência ao estresse e às doenças mentais comuns (depressão e ansiedade). Mais tarde na vida, esta resiliência auxilia na geração de bem-estar no trabalho e no envelhecimento. Pessoas mais velhas que reportam altos níveis de bem-estar também apresentam funções cognitivas melhores, mesmo quando ajustadas a outras possíveis variáveis como condições sociodemográficas, de saúde e estilo de vida.
Desde a fase fetal até o início da idade adulta, diversos fatores ambientais podem colocar em risco a saúde mental dos indivíduos
Do momento da fecundação até o final da vida, nosso capital mental sofre influências negativas e influências positivas. Desde a fase de desenvolvimento fetal com o uso materno de álcool, drogas e tabaco, passando pela violência e estresse precoce, uso de drogas, álcool e exclusão social na adolescência e início da idade adulta, diversos fatores ambientais podem colocar em risco a saúde mental dos indivíduos, tornando-se gatilhos para o desenvolvimentos de doenças mentais.
As doenças mentais são várias, com diferentes apresentações. De forma geral, são caracterizadas por uma combinação entre pensamentos anormais, percepções alteradas, emoções desequilibradas, comportamentos e dificuldades de relacionamento com outras pessoas. Dentre elas, inclui-se depressão, transtorno bipolar, ansiedades, esquizofrenia e outras psicoses, demências e transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo. Existem tratamentos efetivos ou, ao menos, formas de aliviar o sofrimento causado pela maioria dessas doenças.
Depressão
A depressão é um transtorno mental frequente e uma das principais causas mundiais de incapacidade. Estima-se que no mundo todo cerca de 264 milhões de pessoas são afetadas por ela, mais mulheres do que homens. Não se restringe aos sintomas mais conhecidos como tristeza, perda de interesse ou prazer ou às alterações de sono, apetite e concentração. Pessoas que sofrem de depressão também apresentam múltiplas queixas físicas sem causa aparente e agravamento de outras doenças crônicas. A depressão pode ser duradoura e recorrente, comprometendo a capacidade de funcionamento laboral, social e familiar das pessoas. Em casos mais graves, pode levar ao suicídio. Programas de prevenção são eficazes tanto em crianças como em adultos. Os tratamentos são efetivos, tanto através de terapias psicológicas, como através de medicamentos antidepressivos e outros tratamentos como neuro estimulações.
Transtorno bipolar
O transtorno bipolar afeta cerca de 45 milhões de pessoas no mundo todo e caracteriza-se por episódios de mania (humor elevado ou irritável, hiperatividade, fala acelerada, autoestima inflada e diminuição de necessidade de sono) e de depressão, separados por períodos de humor normal. Algumas pessoas podem apresentar apenas surtos de mania, sem episódios de depressão. Existem tratamentos efetivos tanto para as fases agudas como para a manutenção do transtorno bipolar. Medicamentos e suporte psicológico são as bases desses tratamentos.
Transtornos de ansiedade
Os transtornos de ansiedade compreendem várias síndromes caracterizadas pela predominância de ansiedade, como transtorno de ansiedade generalizada, transtorno do pânico, transtorno de ansiedade social (fobia social) e outros. Do ponto de vista de incapacitação, podem variar desde um pequeno incômodo até a incapacidade severa. Quando consideramos, além das condições citadas anteriormente, o transtorno de estresse pós-traumático e os transtornos obsessivo-compulsivos, as doenças de ansiedade são a segunda maior causa de incapacidade mental na maioria dos países. O Brasil se destaca como um dos países com maior prevalência de ansiedade, com cerca de 7,5% da população sofrendo do problema.
Esquizofrenia
A esquizofrenia é uma das doenças mentais mais severas e afeta cerca de 20 milhões de pessoas no mundo. Assim como outras psicoses, é caracterizada por distorções do pensamento, percepções, emoções, linguagem e alterações comportamentais. As experiências psicóticas mais comuns incluem alucinações e delírios e a doença pode afetar gravemente a possibilidade de a pessoa estudar e trabalhar normalmente. O estigma e a discriminação são aspectos negativos importantes que cercam esse transtorno. A esquizofrenia começa tipicamente na adolescência e início da idade adulta e os tratamentos farmacológicos e psicossociais são efetivos, podendo reduzir drasticamente os prejuízos inerentes à doença não tratada adequadamente.
Demência
No mundo, cerca de 50 milhões de pessoas sofrem de demência, uma condição de natureza usualmente crônica e progressiva na qual a deterioração das funções cognitivas (habilidade de processar o pensamento) vai além do que se espera do processo de envelhecimento normal. Afeta a memória, o pensamento, a orientação, compreensão, capacidade cálculo, capacidade de aprendizado, linguagem e julgamento. O comprometimento cognitivo normalmente é precedido por uma deterioração no controle emocional, comportamento social ou motivação. Causada por uma variedade de doenças ou lesões que afetam o cérebro, como a doença de Alzheimer ou os acidentes vasculares cerebrais. Em uma população mundial com tendência ao envelhecimento, apesar de ainda distantes de um tratamento eficaz, muito pode ser feito no sentido de apoiar e melhorar a vida das pessoas com demência e de seus familiares e cuidadores.
Transtornos do desenvolvimento
O grupo dos transtornos do desenvolvimento engloba as deficiências intelectuais e os transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o autismo. Iniciam-se normalmente na infância com a tendência a persistirem na idade adulta, gerando comprometimento ou atrasos em funções relacionadas a maturação do sistema nervoso central. Geralmente seguem um curso constante, ao contrário dos períodos de remissão e recaídas que caracterizam vários dos transtornos mentais. A deficiência intelectual compromete ferramentas de várias áreas do desenvolvimento como as funções cognitivas e os comportamentos adaptativos. Já os sintomas de transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo, incluem comprometimento no comportamento social, comunicação e linguagem, e um estreitamento na gama de interesses e atividades que são próprias do indivíduo e feitas de forma repetitiva. O envolvimento da família, da estrutura social, educacional e de saúde é fundamental para a melhor evolução desses casos. A comunidade, como um todo, tem um papel importante no concerne os direitos e necessidades de pessoas com incapacidade.
Referências:
John Beddington, Cary L. Cooper, John Field, Usha Goswami, Felicia A. Huppert, Rachel Jenkins, Hannah S. Jones, Tom B. L. Kirkwood, Barbara J. Sahakian and Sandy M. Thomas. The mental wealth of nations. NATURE|Vol 455|23 October 2008
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Escrito por: Dr. Eduardo Tancredi – Membro do Comitê Técnico da ASAP
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