Toda política pública deve considerar o conhecimento neurocientífico. Isso já é fato em países como os EUA e a Grã-Bretanha. Há um crescente reconhecimento de que para prosperar em meio à globalização e competição é preciso maximizar todos os recursos – mentais e materiais. Um dos maiores desafios para a força produtiva é conciliar a pressão profissional com as demandas da evolução nas estruturas familiares de uma sociedade cada vez mais velha e sujeita às doenças degenerativas.
O conceito de capital mental foi cunhado no documento final de uma força tarefa patrocinada pelo governo britânico: Foresight Mental Capital and Wellbeing Project (2008) e engloba os recursos cognitivos e emocionais, as habilidades intelectuais, a flexibilidade e eficiência no aprendizado, além de todas as ferramentas sociais e de resiliência frente ao estresse. Em resumo, os elementos que definem o quanto um indivíduo pode ser capaz de contribuir com a sociedade e de experimentar uma alta qualidade de vida. O bem-estar mental, por outro lado, é um estado dinâmico que influencia a habilidade do indivíduo em desenvolver o seu potencial, trabalhar de forma produtiva e criativa, construir relacionamentos fortes e positivos com os outros e contribuir para a sua comunidade. Os dois conceitos estão intimamente ligados: estados emocionais positivos ou uma visão geral positiva da vida estão associados a maior curiosidade, formas de pensar mais flexíveis e a uma maior abertura ao aprendizado, sendo essas qualidades particularmente importantes durante o desenvolvimento do capital mental na infância e adolescência.
Problemas econômicos, desafios para o sistema de saúde e home office foram temas amplamente debatidos no último ano, mas a maior ameaça ao capital mental do brasileiro é silenciosa e altamente destrutiva. E acontece justamente no extremo mais frágil da curva: a infância e adolescência.
Na fase da infância e adolescência se formam as redes neurais essenciais, não somente para a aquisição de conhecimento, mas sobretudo para o desenvolvimento de regulação emocional. Em condições ambientais adversas, como a privação crônica de convívio social e escolar, a desorganização nas rotinas de sono e alimentação e a exposição prolongada ao estresse, a ciência já sabe, essas conexões não se formam. O cérebro deixa de se formar com todo o potencial. As prováveis consequências começarão a aparecer gradativamente na sociedade: deficiência de aprendizado, uso de drogas, violência, estresse, depressão e ansiedade. Daqui uma ou duas décadas, estas mesmas crianças e adolescentes estarão no meio da curva do capital mental brasileiro. Serão os responsáveis por cuidar das futuras crianças e dos futuros idosos, enfrentando os desafios da globalização, competitividade e envelhecimento da população.
Promover, proteger e restaurar saúde emocional e mental é e continuará sendo o nosso maior desafio.
Autor: Dr. Eduardo Tancredi – Psiquiatra, Diretor Médico da eCare e membro do Comitê Técnico da ASAP.
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